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Dirigentes debatem o legado da Constituição Federal de 1988

 

A UFRJ promoveu, no último dia 19, o debate “Direitos Constitucionais 30 anos depois: para onde vamos?”. O evento aconteceu no Salão Nobre do campus do Largo de São Francisco de Paula, onde estão sediados o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) e o Instituto de História (IH). A organização foi do Fórum Rio, que reúne instituições públicas de ensino e pesquisa do Rio de Janeiro, com o apoio da Associação Nacional de Dirigentes de Instituições de Ensino Superior (Andes), Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas no Brasil (Fasubra) e União Nacional dos Estudantes (UNE). 

A procuradora Deborah Duprat, do Ministério Público Federal (MPF), foi a conferencista convidada e participou da mesa, que contou ainda com os professores Roberto Leher, reitor da UFRJ; Luis Passoni, reitor da Universidade do Estado do Norte Fluminense (Uenf); Ildeo Moreira, representante da Sociedade Brasileira de Pesquisa Científica (SBPC); Jefferson Manhães, reitor do Instituto Federal Fluminense (IFF); Nísia Trindade, presidente da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz); Oscar Halac, reitor do Colégio Pedro II; Clara Belmonte, representante do Diretório Central dos Estudantes (DCE) Mário Prata, entre outros representantes de entidades. 

O professor Roberto Leher abriu o evento, destacando a importância de recordar as conquistas de direitos que a Constituição Federal de 1988 estabelece. “Nós apostamos na razão. A Universidade tem um papel muito importante neste processo, pois é ela que constrói as análises e reflexões que tornam pensável o mundo real. Vivemos tempos complexos, perigosos. Precisamos estar unidos para resistir à barbárie e à negação da humanidade do outro. Neste sentido, este evento é organizativo e muito significativo”, afirmou o reitor da UFRJ. “O mote dos 30 anos da Constituição é muito importante para lembrarmos contra o que estávamos lutando no final da ditadura. Precisamos fazer um balanço de todos os artigos que garantem a liberdade de cátedra, de crítica e de pensamento”, completou Leher.

Solidariedade como princípio organizador

A procuradora Deborah Duprat endossou as palavras do reitor da UFRJ, reforçando o caráter democrático e de garantia de direitos da Carta Magna. “A Constituição de 88 é o primeiro documento deste país em que se garante direitos para todas e todos os cidadãos. A Constituinte foi a primeira vez em que indígenas de cocar e de rosto pintado dançaram em pleno Congresso Nacional. A Constituição fala em Reforma Agrária, em direitos de mulheres, indígenas e quilombolas. Então, a Carta foi a organização de tudo aquilo”, disse. “O princípio organizador da Constituição está no Artigo 3º, que fala sobre solidariedade. Este é o pacto que nos organiza. Ele não pode ser perdido, sob o risco de colocar a perder as futuras gerações deste país”, completou a procuradora, em referência ao artigo sobre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, quais sejam: “construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer”. 

Para Luis Passoni, reitor da Uenff, a Constituição de 1988 “foi o resultado da correlação de forças entre patrões, empresários, trabalhadores, movimentos sociais etc. A nossa sorte foi a qualidade do nosso Parlamento. Dali em diante, as emendas constitucionais começaram a destruir a Constituição. A Emenda 95 é um verdadeiro cataclisma, que destrói o Estado brasileiro”, afirmou. “Hoje, vivemos uma ameaça séria de volta a uma ditadura, através de um discurso de ódio e de incitação à violência”, completou o reitor da Uenff. 

Ildeo Moreira frisa que as reivindicações em questão “não são nada além do que prevê a Constituição de 1988”, citando como exemplo parágrafo 5º do Artigo 220, que estabelece que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. O representante da SBPC encerrou a fala citando o Artigo 1º da Constituição, que estabelece que a República Federativa do Brasil “constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana;  os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; o pluralismo político” e, o parágrafo único deste mesmo artigo determina que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

De acordo com Jefferson Manhães, reitor do IFF, a luta pela democratização do acesso à Educação e a demais direitos fundamentais deve ser permanente. “Me parece que quando se abrem os direitos para além daquele público exclusivo, que sempre teve acesso a eles, isso soa como uma ofensa”, disse o professor, citando o caso do Programa Mais Médicos. Segundo ele, os médicos cubanos ocuparam um vácuo deixado por médicos brasileiros que não tinham interesse em trabalhar em cidades pequenas do interior do país. “É esse Brasil que incomoda, o que passou a ocupar as salas de embarque dos aeroportos”, argumentou. “Queremos um Brasil para todos, não para alguns. E os institutos federais não cabem no Brasil estreito”, completou Manhães.

Clara Delmonte, representante do DCE Mário Prata, recordou a história do estudante que dá nome a este coletivo. Estudante de Engenharia da UFRJ, Prata integrava o Movimento Revolucionário 8 de Outubro. Foi preso, em abril de 1971, junto com a sua companheira, Marilena Vilas Boas Pinto. Ambos foram mortos poucos dias depois da prisão, mas os óbitos só foram confirmados no mês de junho. Prata fora acusado de matar um policial militar que o conduzia para a prisão, em 1970. Marilena ainda foi submetida a uma sessão de tortura antes de morrer. Enterrado como indigente, Mário Prata teve sua memória resgatada com a homenagem prestada pelos estudantes da UFRJ. “Não queremos ter mais Mários Pratas. Para isso, será preciso resistir e lutar para conquistar nossos direitos”, disse Clara.

Oscar Halac, reitor do Pedro II, falou sobre o caráter democrático de sua gestão à frente do colégio. “Fiquei conhecido como o reitor da saia”, disse o professor, em referência ao episódio em que meninos estudantes da escola passaram a frequentar as aulas vestidos de saias, em protesto contra o machismo e a homofobia. “Eu disse que o uniforme era blusa branca, calça azul e saia azul plissada. Não falei em gênero porque era desnecessário”, recordou Halac. 

"Há 20 anos não havia negros nas universidades"

O reitor do Pedro II enfatizou que o colégio tem uma tradição de inclusão e de luta contra os preconceitos. “Eu venho de um colégio em que os homens não são melhores que as mulheres e que acredita que o combate ao feminicídio começa na escola. Eu venho de uma escola em que se acredita que o cego, o surdo, o mudo e o cadeirante não devem estudar separados dos demais. Eu venho de uma escola que tem cota racial. Há vinte anos não havia negros nas universidades. Hoje, isso mudou”, afirmou. “Por causa disso tudo, eu respondo a oito processos judiciais. O Pedro II acabou com o jubilamento e a nota de corte. Isso incomodou muita gente. Engana-se quem pensa que as pessoas querem uma sociedade mais igualitária”, completou. 

Na opinião de Nísia Trindade, “está em curso um processo de deslegitimação do pensamento crítico e da reflexão. O que está em jogo é a criminalização de todo um segmento, que inclui servidores públicos, professores, intelectuais e estudantes”. Para a presidenta da Fiocruz, é preciso defender o legado da Constituição de 1988. “Durante todo o século XX, os movimentos sociais se organizaram para lutar por seus direitos. Defender a Constituição de 88 significa defender o projeto de equidade e de igualdade”, completou.

O professor Roberto Leher propôs como parte dos encaminhamentos uma articulação ainda maior entre as universidades e movimentos sociais, de forma a amplificar as ações de luta, resistência e solidariedade. “O que estamos fazendo é reafirmar os princípios democráticos da Constituição de 1988. Houve um tempo em que professores, técnicos e estudantes iam para o trabalho e nunca mais foram encontrados. Aqui é o lugar da razão, onde prevalecem os argumentos. Não podemos perder, usando as palavras de Antonio Gramsci, o ‘otimismo da vontade’”, encerrou o reitor da UFRJ.

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