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CFCH repudia intervenção federal no Rio de Janeiro

 

Manifestação do Centro está em consonância com a análise de especialistas da área de Segurança Pública

O Conselho de Coordenação do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), reunido em sua 828ª sessão ordinária realizada na última segunda-feira (26/02), aprovou nota de repúdio ao decreto presidencial que determina a intervenção federal de natureza militar na Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro. A manifestação se refere ao documento assinado pelo presidente da República, no dia 16 de fevereiro, que confere ao general Walter Souza Braga Neto o controle operacional sobre as polícias Civil e Militar, Corpo de Bombeiros Administração Penitenciária. 

Clique aqui para ler a nota na íntegra

De acordo com a nota do CFCH, “a medida abre uma prerrogativa que remete aos tempos do regime militar, quando os direitos civis e as liberdades individuais foram suprimidos”. Os conselheiros criticam “o caráter militarizado conferido às políticas de Segurança Pública” pela lógica que remete à “‘guerra às drogas’, implementada em países da América Latina, e que até hoje não obteve outro resultado que não o desperdício de vidas humanas”. Por fim, o texto ressalta o histórico de criminalização da população negra, pobre e moradora de favelas e bairros populares. “A habitual utilização do uso da força para repressão e controle social, portanto, deve ser rechaçada por todos aqueles que prezam os valores democráticos e a garantia dos direitos e liberdades de todos os indivíduos”, diz a nota.

Justificativa carece de dados

O decreto presidencial justifica a intervenção pelo que denomina “grave comprometimento da ordem pública”. No entanto, de acordo com o mais recente “Atlas da Violência”, produzido pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (Ipea)/Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que reúne informações até o ano de 2015, o Rio de Janeiro aparece na 18ª colocação entre os estados da federação, com 30,6 homicídios por 100 mil habitantes, no ranking liderado por Sergipe, que contabilizou 58,1/100 mil habitantes. Ainda sobre a avaliação do estado neste índice, é importante observar a redução de 11,9% em relação a 2014, de 13,6% no período 2010-2015, e de 36,4% de 2005 a 2015. 

Outra observação relevante é o ineditismo da medida desde a redemocratização do país, em 1985. Apesar do apoio das Forças Armadas em operações, como na conferência Rio 92 e nos megaeventos em 2014 e 2016, o atual decreto confere ao interventor o controle sobre toda a Segurança Pública do estado. 

Objetivo político?

Para Michel Misse, professor titular de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs) da UFRJ e coordenador do Núcleo de Estudos de Cidadania, Conflito e Violência Urbana (Necvu), o decreto tem objetivo político. “Não houve planejamento, discussão prévia de objetivos e estratégias e justificativa séria para uma decisão tão grave”, afirma Misse em artigo publicado no boletim semanal da Associação dos Docentes da UFRJ (Adufrj). “Tudo leva a crer que o objetivo imediato foi político, seja para tentar diminuir a rejeição de Temer, seja para capitalizá-lo para as próximas eleições, apropriando-se de parte do discurso repressivo do candidato da extrema direita”, continua o professor. 

Misse também alerta para o risco de medidas como os mandados coletivos de busca e apreensão, sugeridos pelo ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann. “Indica que os objetivos continuam a ser as áreas de baixa renda da cidade, controladas por facções e milícias. Se essas medidas que são claramente inconstitucionais e contrárias ai que o Código de Processo Penal expressamente determina, forem aprovadas pelo STF, estaremos a um passo de uma radicalização sem precedentes desde o período de redemocratização e o STF terá abdicado de suas atribuições constitucionais a favor dos militares”, aponta o coordenador do Necvu.

Não à lógica da guerra

O professor Roberto Leher, reitor da UFRJ, também se manifestou contrário ao decreto presidencial. Para o magnífico, todas estratégias recentes na área da Segurança Pública no estado do Rio de Janeiro têm se mostrado fracassadas. “A violência urbana não é passível de ser enfrentada com a lógica da guerra e da ratio militar. A ocupação da Maré pelas Forças Armadas confirmou isso. Nada mudou após a saída das tropas”, analisa o reitor em entrevista ao Boletim da Adufrj. 

A exemplo de Misse, Leher também acredita que o decreto pode ser nocivo à democracia brasileira. “É um precedente importante, o primeiro desde o fim da ditadura empresarial-militar. Mais uma peça no tabuleiro do jogo político foi inserida, turvando o horizonte democrático no país”, afirma o reitor. “O medo e o sofrimento da população são terrenos férteis para a ‘mão forte’, o ‘pai patrão’ e, por isso, inicialmente a população irá apoiá-la. O governo e muitas frações do bloco de poder sabem disso. Com a medida, alguns setores com poder e dinheiro podem estar testando uma hipótese – que é incompatível com o Estado democrático de Direito”, completa. 

Leher entende que a solução para o fim da violência urbana não está na utilização do aparato repressivo do Estado. “Em geral, países com menor desigualdade e com maior tradição democrática possuem baixos de violência. Mas isso significa alterar o padrão de acumulação do capital, o que exige mudanças estruturais profundas. Não há atalho fácil para resolver essas questões, mas não será com irracionalismo e sufocamento da democracia que as resolveremos”, conclui o reitor da UFRJ.

Ilegitimidade e punitivismo

Em debate realizado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ (Sintufrj) nesta quarta-feira (28/02), o professor de Direito Penal Nilo Batista, da UFRJ, Uerj e da Universidade Cândido Mendes, chamou a atenção para a confluência de dois fatores que, segundo ele, resultaram no decreto. “O primeiro é a ilegitimidade do governo, que o obriga a uma série de atos arbitrários, como as reformas trabalhista e previdenciária, da forma como estão sendo feitas, e, agora essa intervenção”, analisou. “O segundo, é o clima punitivista generalizado no país. De repente, nós começamos a acreditar que vamos conseguir resolver todos os nossos problemas com a criminalização. Há um endeusamento do sistema penal”, completou o advogado e presidente do Instituto Carioca de Criminologia (ICC).

Outro convidado do encontro, o diploma Celso Amorim alertou para a utilização indevida das Forças Armadas. “Está havendo uma militarização da Segurança Pública. As Forças Armadas existem para defender o pais de um adversário. Mas ela está sendo usada contra o seu próprio povo. A impressão que se pode ter de fora é a de uma guerra de classes, em que a elite está combatendo a população mais pobre. E o Exército está sendo usado para isso”, afirmou. O ex-ministro das Relações Exteriores do governo Lula e ex-ministro da Defesa do governo Dilma Rousseff, a partir de sua experiência no meio, afirmou que a intervenção pode estar sendo incômoda mesmo entre os militares. “Eu acredito que muitos oficiais podem estar se sentido desconfortáveis com o uso político desta ação. Existem muitos projetos estratégicos aguardando a alocação de recursos, que podem ficar em segundo plano para que esta intervenção seja realizada”, apontou o diplomada.

Lênin Pires, professor de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), falou sobre o histórico de truculência policial no Brasil. “Já vivemos o tempo da ‘gratificação faroeste’, que premiava policiais que mais matavam. O Bope é uma tropa feita para matar. E as UPPs atenderam a um interesse de mercado em algumas favelas da cidade. Este é o contexto histórico que resulta hoje nesta intervenção”, comentou. O professor da UFF também apontou o recorte racista das ações de Segurança Pública. “Existe uma suspeição automática, principalmente contra indivíduos negros e pobres. Este gradiente de cor e de classe nas medidas repressivas do estado é uma tradição em nosso país”, analisou. A saída, para o especialista, é a mobilização popular. “Ainda que consideremos a carência de fundamentos que justifiquem esta intervenção, não é possível acreditar na isenção do Poder Judiciário, que deu sustentação a todas as ilegitimidades cometidas recentemente. As redes sociais são uma ferramenta importante, mas têm a sua limitação. A única saída possível, em minha opinião, é a luta nas ruas”, concluiu Lênin, conclamando os trabalhadores da UFRJ a reunir-se. 

 

Foto 1 (soldado fichando o cidadão): Danilo Verpa/Folhapress

Foto 2 (mesa de debates Sintufrj): Pedro Barreto/SeCom-CFCH

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