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Trabalho escravo, produção do consenso, violência urbana e luta de classes em debate

A primeira mesa do dia discutiu “a violência e a resistência no campo”. Ricardo Rezende, professor do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC), vinculado ao Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (Nepp-DH), relatou sua experiência no sul do Pará, durante a década de 1980, quando eram frequentes os assassinatos de camponeses. Segundo o docente, 200 trabalhadores foram mortos entre 1977 e 1996, em uma área de aproximadamente 45 mil km2. Destes, 105 foram assassinados na disputa pela terra e 95 na fuga do trabalho escravo. “Após a redemocratização, com o medo de que fosse uma reforma agrária, os fazendeiros passaram a contratar milícias e a assassinar lideranças da região. Não satisfeitos, matavam também suas mulheres e filhos, mutilavam os corpos e impediam sepultamentos. Tudo isto demonstra como o direito à propriedade ultrapassa o valor da vida”, analisou.

Fernanda Vieira, professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), explicitou de que maneira o sistema judiciário contribui para a criminalização da pobreza e a impunidade nas zonas rurais brasileiras. “Hoje temos uma total paralisia dos processos de desapropriação de terras. Alguns deles chegam a levar até 30 anos para serem concluídos”, afirmou. A docente relatou o caso de um processo por trabalho escravo arquivado por um juiz sob a alegação de que a degradação da vítima já era originária de seu próprio meio social e que a degradação do indivíduo sofrida no local de trabalho não era um dado novo, justificando assim a improcedência da acusação. “(Loïc) Wacquant e (Giorgio) Agamben trabalham com a conjuntura da sedimentação do estado de exceção. Para Carl Smith, o estado de exceção é uma função do soberano. Este deve reconhecer quando o seu poder está ameaçado e quando o inimigo deve ser eliminado”, expôs. Já Marcelo Durão, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), denunciou a perseguição aos líderes dos movimentos sociais. “O modelo de desenvolvimento no campo hoje é o do agronegócio, em detrimento da agricultura familiar. Quem está resistindo àquele modelo está sendo criminalizado ou eliminado”, afirmou.

Mídia e sociedade civil

A segunda mesa do dia teve como tema “discurso e violência: mídia e sociedade civil”. Dênis de Moraes, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), alertou para que “não naturalizemos o sistema midiático. Ele não nasceu do nada e não prospera do nada. Há vigas de sustentação de sua práxis e ele tem logrado êxito na formação de um imaginário social”. O professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da UFF e pós-doutor em Comunicação pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, explicou que os grandes veículos de comunicação hegemônicos se propõem a “desqualificar, neutralizar, desqualificar e silenciar o contraditório”. Na análise do docente, a “Ley dos medios”, aprovada recentemente na Argentina, é exemplar, no sentido em que, entre outros pontos, destina um terço do espectro de rádio e televisão ao setor estatal, um terço ao setor comercial e um terço aos movimentos sociais. “Enquanto isso, no Brasil, 80% dos canais de radiodifusão estão concentrados nas mãos dos grandes grupos empresariais”, apontou. “Há um bloqueio, um biombo que não deixa a sociedade enxergar a realidade. Precisamos unir forças nos setores da sociedade civil para exigir um novo sistema de regulação dos meios de comunicação. Ou lutamos para reverter este processo e parar esta ‘correia de transmissão’, nas palavras de Lênin, ou vamos sempre enfrentar uma enorme resistência e criminalização dos movimentos sociais”, finalizou.

Álvaro Neiva, representante do Coletivo Intervozes, falou dos trabalhos realizados pelo grupo. O doutorando em Comunicação pela Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ citou a série de reportagens sobre “gentrificação”, realizada pelo O Globo. “É impressionante o entusiasmo com que o jornal representa essa realidade. Ele não relaciona este processo com a mercantilização do Rio de Janeiro, a internação compulsória dos usuários de crack, a ‘higienização social’ das ruas e das favelas”, analisou. “Enquanto tivermos uma mídia oligopolizada nunca teremos um debate democrático sobre a questão indígena, a criminalização da pobreza, os blackblocs, entre outros”, completou.

Vito Giannotti, do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), descartou ilusões com o que classificou como “mídia burguesa”. “Temos que fazer a nossa mídia. A Ley dos medios na Argentina e no Uruguai é exemplar. Também queremos um canal 24 horas para os trabalhadores, como acontece no Uruguai. No Brasil, 12% da população é analfabeta e 48% é analfabeta funcional, de acordo com o IBGE. Por isso, um novo marco regulatório das Comunicações é essencial”, afirmou Giannotti.

Estado de emergência

A terceira mesa do dia debateu a “opressão e violência na cidade: trabalho, educação e conflito social”. Roberto Leher, professor da Faculdade de Educação (FE) da UFRJ, falou sobre a reunião entre o ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, e o secretário estadual de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, com vistas a traçar estratégias comuns de vigilância aos manifestantes dos protestos de rua. “Qualquer semelhança com a Operação Condor não é mera coincidência. A Abin (Agência Brasileira de Informações) passa agora também a ter acesso institucionalizado aos sistemas de informação que também se interligam. O objetivo é a antecipação do aparato policial frente à possibilidade de excessos. A reação que devemos ter a isso é apontar o estado de emergência em que estamos vivendo. Precisamos de plenárias para dar dimensão a essa política de apartheid que estamos vivendo”, argumentou o docente.

Finalmente, a última mesa do seminário trouxe à tona a discussão: “luta de classes, um conceito superado?”. José Paulo Neto, professor emérito da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ, iniciou o debate apresentando ao público um pouco do pensamento de Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim. “Todos eles apresentam uma análise da sociedade em que eles viviam. Reconheceram que a sociedade dispunha de um sistema de estratificação social”, expôs. Apesar de abordagens diferentes, quando não antagônicas, os três pensadores são considerados pelo docente como “fundamentais” para a compreensão da questão colocada. “O capitalismo, desde o século XIX até os dias atuais, concentrou os meios de produção. Hoje, 500 empresas controlam o comércio mundial de mercadorias. Por isso, o conceito de lutas de classes, no plural, é mais do que atual. Não existe capitalismo sem burguesia e proletariado”, explica o docente. José Paulo Neto defendeu sua posição marxista, a revolução comunista e a existência dos partidos políticas como legítimos porta-vozes da universalidade das demandas sociais. “O que o comunismo quer é uma sociedade emancipada. Essas classes (burguesia e proletariado) estão em constante contradição. Capital e trabalho são antagônicos, quando um ganha, o outro perde. Toda a experiência histórica até hoje é a comprovação cabal da existência da luta de classes”, afirmou. O professor emérito da UFRJ também falou sobre as recentes manifestações populares. “O Brasil mudou depois da noite de 13 de junho de 2013. Não houve sequer um partido político que falasse mal. Os blackblocs são um idealismo anarquista anacrônico. Mesmo assim, está aí a luta social. Eles estão vivos! Temos que tomar cuidado, pois pode haver pessoas infiltradas, gente de direita etc. Mas notem que eles não atacam hospitais nem escolas”, argumentou.

Por fim, Gaudêncio Frigotto, professor da Faculdade de Educação da Uerj, criticou o que chamou de “uma esquerda academicista” por “pensar na luta de classes como uma luta final”. Para o docente, “a nossa ferramenta (dos acadêmicos) é pôr ordem nas ideias. Mas, se não pusermos os pés, acabamos correndo o risco de praticar um julgamento moral, como nos lembra Antonio Gramsci”, afirmou o docente. “Onde está a luta de classes? Respondemos isso a partir do real: o time da Kátia Abreu não é o mesmo do MST”, concluiu Frigotto.

 

Fotos: Marco Fernandes / Adufrj-Ssind.

Colaborou: Angélica Fontella - Nepp-DH

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