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O conservadorismo reacionário sob as perspectivas global e latino-americana

 

A última mesa da manhã do dia 26 da Jornada Internacional de Pesquisadores (Jipa 2018) teve como tema “O avanço do conservadorismo reacionário”. Francisco Louçã, professor da Universidade Técnica de Lisboa, lembrou os 101 anos da Revolução Russa, em 1917 e as cinco décadas do Maio de 1968. “Cinquenta anos depois, temos um mundo diferente. A morte de Che Guevara, em 1967, impulsionou os movimentos que eclodiram naquele ano”, analisou. Louçã exibiu o vídeo do IV Festival da Música Brasileira de 1968, em que Chico Buarque interpretou a canção “Benvinda”. “A letra é uma resposta à ditadura militar”, disse o professor em referências a versos como: “Oh vem a minha estrela madrugada, vem a minha namorada /Vem amada, vem urgente, vem irmã/Benvinda, benvinda, benvinda/ Que essa aurora está custando, que a cidade está dormindo/Que eu estou sozinho/Certo de estar perto da alegria, comunico finalmente/Que há lugar na poesia/Pode ser que você tenha um carinho para dar, ou venha pra se consolar/Mesmo assim pode entrar que é tempo ainda/Ah, benvinda, benvinda, benvinda.”

O professor reconstruiu historicamente a origem do conservadorismo reacionário a partir de teóricos liberais, do século XVIII até os dias atuais. A começar por Samuel Johnson (1709-1784), que propugnava: “todos estão de acordo com a nossa liberdade, mas não estamos de acordo com a liberdade dos outros. A plebe não deve se governar”. Leo Strauss (1899-1973) dizia que “a religião é essencial para organizar o povo. É uma mentira, mas é fundamental para a ideia de que os debaixo devem servir aos de cima”. De acordo com Louçã, “essa corrente de pensamento forneceu os princípios teóricos para a política conservadora de Ronald Reagan e de George Bush. Para ambos, Esparta, a nação da guerra, era o exemplo a ser seguido”, analisou.

Edmund Burke (1729-1797) defendia que “o objetivo da revolução é fazer desaparecer a Aristocracia e o Antigo Regime. A ordem só existe se houver subordinação. O problema da revolução é que ela põe em risco essa ordem, essa hierarquia”, disse Louçã, em referência às ideias do teórico liberal setecentista. O professor também recordou a revolução de 1919 em Seattle, em que o prefeito foi deposto e o controle da cidade passou à mão dos trabalhadores organizados. “O que incomodou o governo deposto foi que houve ordem e não desordem. Ficou claro ali que o Estado não era necessário para suprir as necessidades da população”, mencionou.

Barry Goldwater, candidato republicano nas eleições estadunidenses de 1964, foi “varrido do pleito presidencial em que enfrentou o democrata Lyndon Johnson”, recordou o professor. No entanto, as bandeiras da campanha de Goldwater prevaleceram mais de uma década depois, quando Ronald Reagan chegou ao poder, carregando consigo proposições como a luta contra os direitos civis, contra a educação integrada entre negros e brancos, contra os sindicatos e o fim dos contratos coletivos. Este pensamento deu subsídios para a fundamentação de teóricos como James Buchanan Jr. e Milton Friedman, ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, que propõem que o Estado financie o sistema de educação privado. “Ambos criaram fundamentos para o sistema universitário privado norte-americano contemporâneo”, analisou Louçã.

Mas, para o professor português, a teórica russa radicada nos Estados Unidos Ayn Rand (1905-1982), foi a principal responsável pelo atual pensamento neoliberal em vigor em todo o mundo nos dias atuais. Louçã lembra que Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve of United States (Fed), desenvolveu o pensamento de Rand com a desregulamentação da Economia dos Estados Unidos. “O princípio fundamental do pensamento de Rand é o de que não pode haver vida coletiva”, resumiu o professor, em referência à ideia que levou a ex-primeira-ministra Margareth Tatcher a afirmar que “não existe sociedade, existem indivíduos”. “O resultado do triunfo desse ideal pode ser percebido no caos ambiental, com a escassez de água em países periféricos, e o caos geopolítico, como a eleição de Donald Trump, as guerras comerciais, o fechamento das fronteiras, a censura e a militarização”, concluiu Louçã.

América Latina

O colombiano Oscar Guardiola Rivera, professor da Universidade de Londres, falou a partir da perspectiva latino-americana. “Cresci nos anos de maior repressão na América do Sul, em um país em que se supõe que jamais houve ditadura”, disse, iniciando a apresentação. “O número oficial de desaparecidos na Coloômbia, nos primeiros 15 anos do século XXI, varia entre 45 mil e 65 mil pessoas. Isso representa mais do que todas as ditaduras do Cone Sul juntas”, iniciou Rivera, enfatizando o perfil do maior número de pessoas assassinadas. “A maior cifra de desaparecimentos e assassinatos políticos neste período afeta as mulheres colombianas, que são líderes de comunidades, em particular, aquelas que estão localizadas em zonas rurais e em zonas pobres urbanas. A maioria delas, negra”, enfatizou. “Uma em particular foi Piedad Córdoba, líder esquerdista de uma zona rural pobre, mulher negra e bissexual, que se tornou senadora. Como não conseguiram assassiná-la, produziram artifícios jurídicos para produzir uma morte social e política: foi inabilitada por 18 anos, sem que pudesse concorrer a qualquer cargo público. Somente no ano passado foi reabilitada, quando o Conselho de Estado colombiano reconheceu que o processo contra ela havia sido fundado em provas falsas e histórias fabricadas”, completou. 

O professor relacionou a perseguição política contra a senadora colombiana ao assassinato da vereadora Marielle Franco, executada com quatro tiros no rosto no último dia 14 de março. “Podemos supor que tanto a perseguição política contra Piedad Córdoba e a execução de Marielle guardam íntima relação com as cerimônias da Inquisição, que queimavam lideranças políticas femininas, sob o pretexto de que elas encarnavam o mal, que haviam sido possuídas, e que, por isso, se tornavam perigosas para o resto da sociedade”, comparou Rivera. “O que eu posso fazer, como colombiano, não é dar nenhuma lição de democracia, mas compartilhar com vocês nossa experiência de ter crescido em meio à apoteose da guerra e o que isso significou para o nosso povo. E pensar como o nosso país, em que ‘funcionam todas as instituições democráticas’, como disse Mario Vargas Llosa, inventou uma maneira ‘não violenta’ de executar golpes de Estado”, comentou o colombiano. 

O professor da Universidade de Londres falou sobre as diferenças entre os golpes de Estado latino-americanos do século XX, como o que resultou na morte do presidente chileno Salvador Allende, em 11 de setembro de 1073, em comparação aos processos “não-violentos” do século XXI, como aqueles que tentaram depor Hugo Chávez, em 2002, e os que tiraram do poder os presidentes Manuel Zelaya, em 2009, em Honduras; Fernando Lugo, em 2012, no Paraguai; e Dilma Roussef, em 2016, no Brasil. “O conservadorismo reacionário de hoje não é algo restrito aos salões, mas sim algo que encontrou uma maneira de lutar nas ruas contra as esquerdas. E para isso apela ao que poderíamos chamar de ‘táticas não violentas’. Por que as táticas deste conservadorismo hoje elegem muito bem as vítimas de sua violência. É por isso que Gabriel Garcia Marquez disse que os golpes de Estado não são mais dados por homens de fardas verdes e óculos escuros, que pareciam maus. Mas sim, por homens vestidos de belos ternos e gravatas, cabelos bem penteados, aparentemente afáveis”, comparou. 

Rivera saudou José Paulo Netto, professor da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ, que foi, segundo ele, “quem nos ensinou a ler a tradição da luta popular e as teorias das esquerdas quando éramos jovens e tentávamos respirar algum ar fresco em meio à guerra na Colômbia”. O colombiano citou as lições aprendidas com o brasileiro e com os recentes revezes da esquerda latino-americana. “Vivemos o esgotamento de uma outra temporalidade. O que implica esse esgotamento: a divisão profunda das esquerdas, a substituição da luta de classes pela conciliação de classes – muitas vezes, empregada por partidos de esquerda. E, um erro estratégico terrível, o de governar com e para as elites, o que nos torna parte das elites”, analisou. 

O professor colombiano mencionou a palavra “ardilosa”, utilizada por José Paulo Netto para se referir às estratégias empregadas pelos conservadores para “dissimular, ‘criar uma imagem, um mito’”, citando o filósofo Platão em sua ‘Carta Sétima’. “A primeira coisa que faz o conservadorismo reacionário é proibir a utopia. Mas o faz de maneira muito específica. Não apenas ele proíbe a utopia, mas nos propõe uma série de distrações: Rússia é o mal, os chineses vão roubar os nossos postos de trabalho, ‘Brexit’ na Inglaterra. Todas essas são imagens distratoras”, ilustrou Rivera. “O que faz o conservadorismo reacionário é fingir escutar os clamores populares, mas retira o espaço do campo de batalha da esquerda. E isso acontece em todos os campos de atuação, não apenas o político. Por exemplo, a literatura latino-americana está encarnada na figura de Mario Vargas Llosa e não Chico Buarque, ou Gabriel García Marquez”, completa. Neste sentido, continua Rivera, “o Estado de exceção se torna a regra. A crise não termina, ela é suspensa temporariamente, mas volta a ser ativada e pode perdurar até o infinito. É isso que quer dizer Maria Vargas Llosa quando diz que na Colômbia sempre funcionou o Estado democrático de direito, ‘mas há alguns probleminhas. Precisamos fazer isso para evitar outras calamidades’, dizem”, comentou ironicamente o colombiano.

Rivera argumenta que o conservadorismo reacionário de hoje se propõe a minar a organização popular e a coletividade e que a resistência a esse avanço é a mobilização. “Acabamos nos alienando a todo o momento: acordamos às seis da manhã para trabalhar, almoçamos e depois voltamos para casa e nos alienamos com a televisão. Não temos tempo para nos organizar politicamente, porque consideramos a política ‘feia’, ‘corrupta’, ‘nos divide’, porque ‘temos que trabalhar’. É aí que o conservadorismo reacionário ganha”, disse o colombiano, para quem “a esquerda tem um excelente discurso analítico, mas não tem uma boa linguagem imaginária. Não nos motiva”. 

A queda de Allende, para Rivera, se deu por causa de seus méritos, e não pelos seus fracassos. “Seus adversários viram o risco de que a população chilena se desse conta de que não se precisasse mais deles”, afirmou. No entanto, o professor da Universidade de Londres destaca que as narrativas posteriores ao golpe de 11 de setembro de 73, no Chile, tiveram como efeito reconstruir os fatos ocorridos. “Um dos problemas da resistência ao conservadorismo reacionário é que não nos contaram a história sob o seu ponto de vista. Essa parte da história ainda está por ser contada”, disse. Para ele, a recente história política latino-americana demonstra que há inúmeras possibilidades de resistência ao conservadorismo reacionário. E isso prova que sempre haverá saídas. “Não há uma única forma de organizar a resistência ao conservadorismo reacionário. Há várias formas: o Podemos, na Espanha; a Revolução Indigenista na Bolívia; e o Movimento Zapatista, no México. Todas foram muito exitosas”, concluiu Rivera.

 

Leia também:

Jipa 2018 discute as possibilidades de resistência ao conservadorismo reacionário

Jornada debate violência e segurança pública

 

Para assistir às transmissões das palestras na íntegra, clique nos links abaixo:

Parte 1 (a partir de 29'07")

Parte 2 

 

Fotos: Pedro Barreto/SeCom/CFCH

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