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Jornada debate violência e segurança pública

A Jornada Internacional de Pesquisadores (Jipa 2018), promovida pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social (PPGSS), realizou, no último dia 27, a mesa “Violência e Cenários Urbanos”, no salão do Colégio Brasileiro de Altos Estudos, vinculado ao Fórum de Ciência e Cultura (FCC) da UFRJ. Estiveram presentes os professores Sérgio Adorno (USP), Angelina Peralva (Universidade de Tolouse, França), Paula Poncioni (ESS/UFRJ) e Rosemere Maia (ESS/UFRJ).

Adorno abriu os trabalhos apresentando dados sobre a violência na cidade de São Paulo. Para isso, o professor evidenciou o contraste existente entre os arranha-céus multicoloridos dos bairros nobres da capital paulista e os túmulos de centenas de jovens mortos na periferia da cidade. “Devemos confiar que o Estado e suas instituições sejam capazes de garantir segurança aos cidadãos?”, indagou, citando o historiador Eric Hobsbawm. Em busca da resposta para essa pergunta, Adorno exibiu alguns números: 69% dos residentes de São Paulo afirmam que sempre ou quase sempre observam o uso de drogas ilegais em lugares públicos; 75% se sentem muito preocupados em ser assaltados nas ruas; 80% se sentem preocupados em ter um parente próximo assassinado. 

“Seria a violência urbana uma expressão de histeria coletiva?”, questionou Adorno. Segundo o professor, desde os anos 1970, os índices de criminalidade têm crescido no país. “Desses crimes, de 30% a 35% são violentos”, apontou. De acordo com os dados apresentados pelo professor, em 1979, o número de homicídios em todo o país era de 9,7 por cada 100 mil habitantes; em 2005, esse índice passou para 26; e, em 2015, para 29. “O número total de homicídios por ano passou de 60 mil por ano. Três décadas atrás, 40% dos assassinatos estavam concentrados em Rio e São Paulo. Hoje, houve um crescimento na região Norte e Nordeste, uma estabilização no Sudeste e uma queda no Sul”, apontou Adorno.

O cientista político e doutor em Sociologia questionou o decreto presidencial que determinou a intervenção federal de natureza militar no estado do Rio de Janeiro. “O Rio de Janeiro não está entre as 50 cidades mais violentas do mundo. O Brasil tem 17 cidades neste ranking e o Rio não está entre elas”, afirmou, citando o estudo da Organização Não Governamental mexicana Conselho Cidadão para Segurança Pública e Justiça Penal, em que Natal (RN) aparece em quarto lugar com 69 homicídios por cada 100 mil habitantes. Na pesquisa, a cidade de Campos dos Goytacazes figura na 19ª colocação.

Adorno identificou as principais vítimas dos homicídios no país. “Moradores de favelas e periferias, entre 15 e 29 anos, negros e homens são os que mais morrem”, afirmou, desconstruindo o senso comum largamente disseminado, que representa esse perfil como aquele a ser temido. “As polícias matam numa proporção muito maior do que em outras cidades do mundo. Há uma prática de perseguir jovens de alguns grupos. Quando não são mortos, são encarcerados. A nossa democracia não foi suficientemente forte para impor limites ao uso da força pelo Estado”, completou. 

O cientista e doutor em Sociologia apontou como problemas a serem resolvidos na área da Segurança Pública o maior investimento no sistema carcerário, em detrimento da investigação policial. Além disso, Adorno lembrou que o maior número de prisões realizadas tem como motivo o tráfico de entorpecentes. “De 2010 a 2012, aumentou em 50% o mercado consumidor de entorpecentes na América do Sul, liderado pelo Brasil”, apontou. “O PCC (Primeiro Comando da Capital) está presente em 22 estados e fatura cerca de 25 milhões de dólares por ano. Mas este ainda é um número tímido perto do faturamento dos cartéis mexicanos”, destacou. 

A partir da exposição, Adorno apresentou três questões: quais são as raízes da violência no Brasil? “Temos um passado colonial, de herança escravocrata”, recordou. Segundo: Por que o combate ao crime fracassa? “Suponho que uma resposta possível passa pela incapacidade das agências policiais e pela prioridade das políticas de segurança em promover o cerco a bairros populares e encarcerar em massa os jovens ali residentes”, apontou. A terceira pergunta é sobre a intervenção federal no Rio de Janeiro: “Experiências em outros países mostram que os resultados de iniciativas deste tipo são fracassados. O México é um grande exemplo disso”, disse. “O planejamento é inexistente. Além disso, este decreto suspende a autoridade do governador na área da Segurança Pública, mas não suspende em outras áreas”, completou o professor. 

Para Adorno, a violência policial é um problema a ser enfrentado com seriedade e a Universidade precisa estar presente neste debate. “O uso da força coercitiva deve ser contida. É preciso libertar os bairros pobres da opressão do tráfico e da polícia”, afirmou. “É responsabilidade da Academia monitorar a intervenção federal. Lei e ordem sim, mas dentro dos princípios de respeito aos direitos humanos”, concluiu.

Caso FAB

A professora Angelina Peralva (Universidade de Tolouse), cientista social e doutora em Sociologia do Desenvolvimento, falou sobre o “Caso Fab”, ocorrido em 1999, quando um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) foi apreendido por transportar 33 quilos de cocaína. Da quadrilha presa por tráfico de drogas no caso, estavam dois oficiais da Aeronáutica. As investigações concluíram que o irmão de um dos oficiais receberia a droga na Espanha. Também foram presos uma mulher boliviana que fornecia a mercadoria e um traficante estadunidense, que chefiava e financiava o grupo. 

“Além do tráfico, a quadrilha mantinha outras atividades comerciais ilegais, como o conserto de aeronaves e falsificação de documentos”, destaca Angelina. A professora aponta a relação entre o Estado e a criminalidade. “Espera-se que o Estado regule a vida em sociedade, controle o crime e garanta a segurança pública. No entanto, o que se vê é a prática de funcionários públicos mantendo negócios privados através de atividades criminosas”, diz. “Este caso comprova o fracasso do ‘Estado weberiano’, que se propõe a garantir a lei e a ordem”, completa. 

Angelina menciona a CPI do Narcotráfico, realizada em 2000, que aprovou o indiciamento de mais de 800 pessoas, entre eles, deputados, desembargadores, prefeitos, delegados, policiais e empresários. “A maior parte deles (40%) era de agentes do Estado”, diz ela, completando ainda que 27% foram “agentes criminais”, 18,5%, profissões civis e 14,5%, de “estatuto ignorado”. “Os agentes do Estado são majoritários no negócio do tráfico de drogas. É um sistema extremamente interessante”, aponta a pesquisadora. 

No entanto, a representação do “traficante” não é conferida a todos os envolvidos neste lucrativo comércio. “Por que apenas uma parte dos denunciados na CPI do Narcotráfico eram denominados de ‘traficantes’? O pistoleiro que faz a segurança da fazenda para onde a droga é transportada é chamado dessa maneira, mas a dona daquele terreno não. ‘Tráfico’ e ‘traficante’ são representações mentais do mal a ser combatido”, resume. 

A partir deste cenário, Angelina propõe uma reflexão sobre a relação entre Estado e democracia. “Será que o Brasil está mercado por uma profunda crise do Estado e da democracia? É urgente reinventarmos a política, refundar a arquitetura institucional deste país e restaurar os princípios democráticos e de respeito à vida”, conclui a professora da Universidade de Tolouse.

A professora Paula Poncioni, da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ, participou da mesa como debatedora, propondo reflexões sobre as duas palestras. “Devemos admitir uma disposição para matar está cada vez mais disseminada em nosso país? Discursos conservadores têm como alvo jovens, crianças, negros e pobres. Como buscar uma outra disposição que contribua para a construção de uma outra sociedade, em que a segurança pública seja pensada como direitos de todos, como deve ser em uma sociedade democrática? Como contribuir para outras formas de sociabilidade que não tenham como objetivos apenas a punição e a vingança?”, indagou a professora da ESS-UFRJ, encerrando a sua fala, deixando o questionamento em aberto para o público.

 

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Assista aqui à transmissão na íntegra

 

Foto: Pedro Barreto/SeCom/CFCH

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