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UFRJ 100 anos: Cem anos sem envelhecer, por Marcio Tavares d´Amaral*

Especial CFCH - UFRJ 100 anos¹ 

Aniversários são dias bons. O tempo lá fora corre como sempre. Não é excepcional. Chove ou faz sol, venta, e é tudo. Mas por dentro é festa. Dia de aniversário é fim de ciclo, começo de ciclo. E é extraordinário que no mesmo instante se encontrem fim e começo, nessa ordem, e o começo prevaleça sobre o fim. Que o ano que nesse dia acaba seja o começo de um ano novinho, ainda desconhecido, mal desperto, onde se recolhe a esperança. É como a hora extraordinária da meia-noite: um milissegundo antes, há hoje e amanhã. Um milissegundo depois, há hoje e ontem. Na hora exata, na primeira badalada, ontem, hoje e amanhã são um instante só. A UFRJ faz cem anos. Hoje. Aqui se reúnem um passado centenário, um dia de festa e o recomeço do tempo.

Nos seus estatutos ainda se encontra Universidade do Brasil – UFRJ. Discute-se se teria sido de fato a primeira universidade do Brasil. Não é muito relevante, é uma conversa de arquivo, certidões. É a única Universidade do Brasil. A que nesse nome leva a marca da sua vocação nacional, da diversidade de todos os falares, de todas as peles e culturas. Diz-se, já é lugar-comum, que há muitos Brasis. A Universidade do Brasil é isto: um porto de acolhimento para todas as navegações, todas as origens. E nesse sentido é única. A UFRJ, universidade do Brasil.

Cem anos é muito para uma vida, pois, quando se tem a graça de se chegar a essa idade, ela já está no declínio, perto do fim. Não para uma instituição que tem a vocação da perenidade. As primeiras universidades, criadas no século XIII, ainda existem. Envelheceram adaptando-se aos tempos, não cedendo a vida a eles. Envelheceram remoçando. A UFRJ, na sua juventude de cem anos, já conhece os ritmos de ganhar tempo renovando-se, de acrescentar a cada ano mais conquistas. Quem envelhece assim ganha tempo, não perde vida.

Estou há cinquenta anos por aqui. Ancorei na Praia Vermelha, na ECO, na sala 126, onde sou feliz. Quando cheguei, a universidade tinha cinquenta anos. Éramos, ela e eu, muito jovens. Envelhecemos juntos. Temos tido essa graça. Porque a UFRJ tem cumprido a promessa dos nossos ancestrais, os fundadores de universidades no sentido próprio do termo: universalismo, pluralidade, cooperação.

Não que não tenha havido, nas escolas medievais, disputas ásperas pela verdade entre as diversas instâncias da organização universitária. Houve. Houve condenações de teses, por exemplo. Mas, por péssimo que isso tenha sido, indicava uma pluralidade, capaz de estimular concorrência, na busca e ensino do conhecimento. Havia uma faculdade de Artes, que correspondia às nossas Humanidades (embora lá estivessem as Matemáticas), dominada pela Filosofia, que dava o título de bacharel, a partir do qual o estudante podia obter uma licença para ensinar (eram provas públicas muito sérias) e podia pleitear a entrada nas faculdades “superiores”, em geral Teologia, Direito e Medicina, de onde saía doutor. Nessas faculdades, as aulas, baseadas em questões abertas à discussão, envolviam simultaneamente bacharéis, mestres e doutores, ensinando e aprendendo, numa dinâmica tão poderosa que não raro a decisão final de uma questão se fazia em praça pública, à qual o povo (de Paris, por exemplo, cuja universidade era um orgulho da cidade) acorria para ouvir. A universidade só veio a se fechar e elitizar alguns séculos depois.

Hoje lutamos para preservar a “faculdade de Artes”, que governos autoritários pretendem esvaziar. Aquela, precisamente, em que o pensamento e o ensino são os menos dogmáticos, mais críticos, como eram as faculdades de artes medievais. Elas apanhavam, é verdade, do dogmatismo das faculdades de Teologia. Mas as coisas ficavam por aí. Havia uma interferência do bispo, que era a autoridade superior. Mas o poder do Estado era mantido fora. Se o rei decidisse intervir nas coisas internas da universidade, ela parava. Não os professores ou os alunos – a instituição. Era a magna cessatio. Faculdades inteiras podiam sair da cidade e ir funcionar em outro lugar. Assim a Universidade de Oxford saiu de uma magna cessatio, a de Cambridge. As universidades se defendiam do Poder como instituições. Uma cessação dessas podia durar anos. As universidades não cediam ao rei.

Estamos hoje numa situação similar. O Poder nos definiu como inimigos. Quer ver esvaziadas as Humanidades, corta drasticamente as verbas dos laboratórios, desinveste na educação e na ciência. Simplesmente, como não tem o mais remoto compromisso com a verdade, o Poder procura silenciar os altos lugares do conhecimento. Não dispomos mais da magna cessatio; a profissionalização das universidades, o valor dos equipamentos e insumos nos impedem de simplesmente fecharmos a porta e irmos cantar em outra freguesia. O que fazemos então é duplicar nosso trabalho, de modo que, à revelia do Poder, a sociedade nos perceba ao seu lado, como há tanto tempo, quando corria à praça para ouvir o fechamento de uma questão.

Bom exemplo está sendo a pandemia. O governo negacionista e obscurantista é combatido quase solitariamente pelas universidades e centros de pesquisa, onde se cultiva a ciência que serve à vida e o pensamento que produz a compreensão deste momento trevoso. Essa espécie de “neoiluminismo” que estamos protagonizando atrai as iras do Poder e estreita nossos laços com a sociedade, com as populações afetadas. Deselitizamo-nos na mesma medida em que o Poder se abate. Mantermo-nos abertos – ao trabalho e à sociedade – é o modo que temos de nos opor a quem gostaria de nos ver fechados. E nos corta o ar. Mas respiramos.

A UFRJ está na vanguarda dessa luta contra o irracionalismo do Poder. Mesmo quase todos nós em confinamento, não baixamos a guarda, não perdemos as energias nem a colegialidade. Sem as barreiras físicas das distâncias e dos fusos horários, redobramos nossos encontros, webinários, cursos abertos, pesquisas. Nas áreas biomédicas, tecnológicas, de filosofia e ciências sociais, buscamos sequenciamentos genéticos, inventamos dispositivos, procuramos explicações, sentidos. Nas áreas de artes, fazemos dos encontros virtuais de músicos, escritores, artistas, modos de pormos a beleza nos nossos dias tensos, maneiras de alegrarmos a vida. Economistas pensam a prevalência da vida sobre o mercado, juristas denunciam e lutam contra as manobras ilegais do Poder. A UFRJ está inteira na vida, na defesa da vida, mostrando que o que aqui se faz interessa radicalmente à vida, a de todos e a de cada um, às nossas vidas comuns. Nossa visibilidade, como as das nossas congêneres, aumenta. A vida precisa da verdade. A razão pode ser reencantada. A sociedade pode nos ver, finalmente, como coisa sua. 

É nesta hora grave que a Universidade do Brasil − UFRJ completa cem anos. E, como vemos, na plenitude da sua força. Porque cem anos, que é muito tempo para uma vida humana, não é nada para uma instituição que começou há sete séculos, atravessou o tempo, lutou e sobreviveu e assumiu vários corpos. Um é o nosso, o da UFRJ. Fazemos cem anos dentro desses sete séculos. Temos motivos de sobra para nos orgulharmos da nossa história – a muito longa, que moldou todas as universidades do mundo; a menos longa, do aniversário que hoje comemoramos; a muito curta, de meses, em que temos sabido mostrar que o conhecimento pode ser uma arma de libertação. E, esperamos, de transformação da realidade social, econômica, cultural, na direção de dias mais radiosos. A nossa vocação, a da UFRJ, é o sol. Estamos firmemente indo na direção do nosso destino solar.

*Marcio Tavares d´Amaral é professor titular da Escola de Comunicação (ECO) e emérito da UFRJ.

¹Este artigo é parte do Especial UFRJ 100 anos, realizado pelo Setor de Comunicação da Decania do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (Secom/CFCH) da UFRJ. Servidores docentes e técnico-administrativos, discentes e trabalhadores terceirizados refletem sobre esta Universidade no ano em que ela completa um século de existência. Os textos apresentam as visões, experiências e saberes de quem contribui para que a UFRJ mantenha a sua excelência, produza conhecimento plural, diverso e democrático, apesar de todos os desafios impostos. Para sugerir um artigo a esta série, envie um e-mail para O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. , até o dia 28/08. Os textos devem ser redigidos em fonte Times New Roman, tamanho 12, espaço entre linhas 1,5 e ter até 10 mil caracteres com espaço. 

 

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