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Entre flores e pedras, a UFRJ vive

Especial CFCH - UFRJ 100 anos¹

Por Juliana Beatriz Almeida de Souza*

Quando a UFRJ completava 90 anos, o professor Aloisio Teixeira escreveu que a Universidade vivia, simbolicamente, o momento da sua recriação. Abriam-se portas, dizia o então reitor, por onde circulariam “as novas formas de conhecimento apropriáveis por todos, por onde fluirão, preservados e renovados, valores e formas culturais e artísticas, por onde passará o pensamento crítico, por onde evoluirá o comprometimento com um projeto de país que contemple o desenvolvimento e a equidade, por onde convergirão os interesses, projetos, criações comuns da cidade, da sociedade e da própria Universidade”. O professor Aloiso previa um futuro de desafios para a década seguinte, mas acreditava no desenvolvimento do Plano Diretor UFRJ 2020 e num cenário político que havia revigorado o financiamento nas universidades públicas e iniciado um processo de renovação dos seus quadros.

Dez anos depois, vivemos tempos muito diferentes e distantes do que imaginara o nosso, então, reitor. Tempos de retrocesso, de perdas, de incertezas e ameaças. Uma nova realidade não desejada desafia, mais uma vez, a UFRJ. Incêndios, corte de verbas, políticas de desvalorização da educação pública. Mas nem só de notas tristes foi feita essa última década. Foi tempo da lei de cotas para as universidades federais, reservando vagas para os egressos de escolas públicas e contemplando o critério racial. Mais tarde, as ações afirmativas chegariam às políticas da pós-graduação. A implementação dessas políticas de ação afirmativa significou passo importante da UFRJ, concebida para atender aos interesses da elite, na direção de se tornar mais inclusiva. Também na última década, finalmente, foram criados, na UFRJ, o Conselho Superior de Extensão (CEU) e uma pró-reitoria dedicada às políticas estudantis – a PR-7. Conquistas que denotaram a ampliação e diversificação do corpo discente e reafirmaram o compromisso desta Universidade com a sociedade. Não é difícil pensar que quanto mais o corpo discente incluiu grupos historicamente marginalizados, mais as universidades públicas foram atacadas pelos que não querem ver diminuídas as desigualdades sociais.

Nos últimos dez anos, novos cursos foram criados, a Escola de Educação Infantil e o Colégio de Aplicação se uniram e o projeto do Complexo de Formação de Professores ganhou corpo, reforçando o diálogo da UFRJ com a educação básica. Se novos prédios não foram construídos, novas estruturas e formas de organização do saber continuaram a ser formuladas. O dramático episódio do incêndio no edifício histórico que abrigava o Museu Nacional ensinou a todos que o que chamamos de Museu não é um prédio, mas um conjunto de profissionais que se dedicam ao ensino, à pesquisa e à extensão, em seus variados campos de saberes. E nunca fez tanto sentido dizer que o #MuseuNacionalVive.

A UFRJ vive em cada docente, pesquisador, em cada servidor, em cada estudante, em cada egresso que carrega para a sua vida o vivido aqui. Não falo dos profissionais renomados, dos ex-alunos que se tornaram famosos. Mas de cada professor da educação básica, cada assistente social, médico ou psicólogo atendendo em hospital do Sistema Único de Saúde, cada arquiteto ou engenheiro que planifica pontes estaiadas ou conjuntos habitacionais, cada jornalista que cobre o dia a dia violento das cidades brasileiras ou trabalha como correspondente internacional. E tantos outros profissionais que levam consigo o diploma da UFRJ. 

São muitas as diferenças entre os centros – CCJE, CCMN, CCS, CFCH, CLA, CT –, os campi de Macaé e Duque de Caxias e o Fórum de Ciência e Cultura. Nossas diferenças nos fazem grandes, múltiplos e fortes. Somos muito e diversos, mas algumas coisas nos unem. Na última década, especialmente em momentos de crise, repetimos e repetimos que somos todos UFRJ. Sentimo-nos parte de um todo que defende a universidade pública, gratuita, laica, inclusiva e de excelência, que reconhece a importância do tripé ensino-pesquisa-extensão, que valoriza a qualificação profissional, que não descura dos valores da cidadania e do comprometimento com uma sociedade ancorada nos princípios da justiça social. Temos orgulho de ser UFRJ.

Nos meus mais de vinte anos como docente da Universidade, vi tentativas de desmonte, sob a égide das políticas econômicas neoliberais e a crise institucional, interna, com a não indicação para a Reitoria do candidato mais votado. Vi a revitalização da vida universitária, com maior investimento na pesquisa, ampliação de vagas estudantis, crescimento do número de concursos públicos para docentes e servidores técnicos. Aprendi, com o passar do tempo, que nossa luta e resistência nos compromete com nossos princípios. Seguiremos na defesa dos Direitos Humanos e na busca de uma sociedade mais equânime, sabedores de que a educação, a ciência e, portanto, as universidades cumprem papel fulcral para alcançar esse objetivo. Em tempos de pandemia e esperança na vacina que nos devolva a convivência, lembro-me dos versos de Cora Coralina: “Acredito nos moços. /Exalto sua confiança, /generosidade e idealismo. /Creio nos milagres da ciência /e na descoberta de uma profilaxia /futura dos erros e violências /do presente.” Acredito nos servidores públicos que são a UFRJ e nos nossos estudantes, que  levarão o nome da instituição e construirão o futuro dessa Universidade nos seus próximos séculos de existência.

O Plano Diretor UFRJ 2020 previa a construção, na Cidade Universitária, de Centros de Convergência que reuniriam várias atividades e serviços, bem como espaços para reunião de professores, estudantes e técnicos. Como sabemos, a reconfiguração da Cidade Universitária, todavia, não ocorreu. No entanto, por que não pensar em centros de convergência sem sua materialidade? Apostar em convergências, superando a fragmentação, ainda seguirá em nosso horizonte. Aniversários são como réveillons individuais. Revisitamos nosso passado e projetamos grandes realizações para o futuro. Convergências na construção do saber, no encontro de soluções e respostas para os dilemas brasileiros, no entendimento de nossa história e formulação de políticas. Comemoramos os 100 anos da UFRJ. E, olhando ao redor do mundo, sabemos que é uma jovem universidade. Uma jovem que já deixou sua marca na sociedade brasileira e, certamente, ainda fará muito por ela. A existência da UFRJ é nossa possibilidade de prever que dias melhores sempre virão.

Vida longa à UFRJ!

*Juliana Beatriz Almeida de Souza é professora titular de História da América do Instituto de História, vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História – PPGEH e coordenadora de Integração Acadêmica de Pós-Graduação do CFCH.

¹ Este artigo é parte do Especial UFRJ 100 anos, realizado pelo Setor de Comunicação da Decania do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (Secom/CFCH) da UFRJ. Servidores docentes e técnico-administrativos, discentes e trabalhadores terceirizados refletem sobre esta Universidade no ano em que ela completa um século de existência. Os textos apresentam as visões, experiências e saberes de quem contribui para que a UFRJ mantenha a sua excelência, produza conhecimento plural, diverso e democrático, apesar de todos os desafios impostos.

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