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Escola de Educação Infantil: escola-locação de filmes possíveis nos 100 anos da UFRJ

 Especial CFCH - UFRJ 100 anos¹

Por Daniele Grazinoli e Priscila Basilio*

Poder-se-ia dizer que se trata de um filme realista. Não porque pretenda constituir-se num retrato fiel da escola, mas porque se debruça sobre ela de modo paciente e minucioso. Trata-se de um realismo meticuloso, produto de um olhar, ao mesmo tempo íntimo e estrangeiro, que se demora nos gestos cotidianos da vida escolar, sem pretensões explicativas. Não almejamos a objetividade, mas desejamos, muito mais, abrir um caminho para o real e tornar possível uma certa presença

(Maximiliano Valerio López).

A epígrafe é parte do texto Filmar a escola: teoria da escola (2017, p. 225-233), do professor e pesquisador Maximiliano V. López, que nos conta sobre um  “exercício filosófico em torno da escola”, quando filmou “pequenas porções da vida cotidiana” de uma escola pública de Juiz de Fora/ MG.

O autor reflete sobre como foi significativo dedicar-se a olhar aquela escola com a gentileza “que está no cuidado com o qual se olha”, sem a participação de narradores que pudessem influenciar as interpretações das imagens, dando a ver “apenas gestos, vozes, objetos, lugares, brilhos, texturas, barulhos e silêncios cotidianos” para pensar uma teoria da escola. Ele toma como referência a origem da palavra “teoria” para demonstrar que não há arbitrariedade em associar a palavra a um filme, já que “não designa um discurso produzido acerca da realidade, mas um tipo de olhar atento e cuidadoso que permite que o mundo se revele diante de nós” (p. 226).

Essa forma de olhar para os gestos filmados da vida escolar, com o desejo de pensar e teorizar com eles, despertou em nós a vontade de realizar um exercício semelhante, fazendo-nos debruçar de modo curioso sobre as imagens em movimento filmadas com as câmeras em ação nas mãos de bebês, crianças e adultos − servidoras/es e famílias −  no contexto da Escola de Educação Infantil (EEI) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dedicar-nos a praticar a filosofia, pautada pelas experiências, para criar uma teoria que abre mais caminhos para um real e nos provoca a pensar como tornar visível o visível com a ficção, “que não consiste em fazer ver o invisível, mas em fazer ver como é invisível o invisível do visível” (FOUCAULT, 1999). 

Concordamos com López (idem) quando diz que “só se dá tempo e atenção àquilo que se ama de algum modo”. É disso que se trata. Amamos a UFRJ, inclusive porque nela foi criada, há quase 40 anos, a Escola de Educação Infantil, onde nos constituímos como servidoras/pesquisadoras da Universidade. Por que a amamos? Porque nela experimentamos colocar em movimento as vontades de cuidar e saber como chegamos a ser o que somos, ou estamos a ser, inclusive agora, no acontecimento do nosso “retorno à distância” por meio das memórias. Porque a enxergamos e a sentimos pela potência das relações que nela ou por meio dela se estabelecem e que contribuem para a produção de subjetividades, tanto quanto por seu saber-poder que nos provoca pensar sobre a responsabilidade de nos cuidarmos para cuidarmos do mundo em sua complexidade. Porque nela interrogamos o familiar e desvelamos que o nosso destino como humanidade não é o fascismo, porque somos capazes de imaginar uma vida mais que vivível.

Como imaginar uma ficção sobre uma escola da/na universidade? De que maneira fazer ver como é invisível o invisível do visível, ou seja, fazer visível o visível? Por quê?

Menos como resposta e mais como provocação, fazemos nossas as palavras da professora da Faculdade de Educação da UFRJ e parceira da EEI, Adriana Fresquet: 

Em alguma medida, trata-se de dar à luz ou deixar vir o futuro que carregamos dentro de nós. Esse movimento nunca se revela por completo: há algo de devir que fica oculto enquanto vai se atualizando. Isso é quase impossível de nomear, mas acho que é quase “filmável”, se são crianças que estão por detrás das câmeras (2013, p. 20).

No espaço do texto, tentamos compor cena e cenário para imaginar o que pode vir a ser escrito com luz, sombra e movimento sobre os atravessamentos dos tempos e buscar um sentido de ir tecendo uma narrativa imprevisível da experiência como devir, como (des)continuidades, rupturas e outras possibilidades. 

Desejamos identificar, nestes 40 anos da EEI e 100 anos da UFRJ, as linhas que constituem a trama dos encontros e desencontros entre infância e universidade e produzir uma cartografia dos afetos que possa contribuir para pensarmos sobre como chegamos até aqui e o que podemos imaginar realizar como uma vida não fascista. Pensamos que seja possível que bebês e crianças sejam o próprio acontecimento que interrompe essas relações dicotômicas, lineares e hierárquicas com os conhecimentos, os saberes, as histórias e as formas de narrar. Não é de nosso interesse colocar a valoração do que é bom ou ruim neste momento. O que nos importa neste percurso são muito mais as perguntas que faremos, uma vez que o resultado do encontro é da ordem do imprevisível. O olhar que lançamos sobre o caminho é para o inesperado; interessa saber, afinal, deste encontro: o que de inesperado surge?  O que diz sobre a experiência como acontecimento?  O que se produz de diferente? Diferente para quem? Quando? Por quê?

Portanto, a proposta é abrir espaços para experimentar o fazer escola-locação de filmes possíveis na perspectiva de que todas as pessoas podem participar e contar, a partir das suas singularidades, essa história e trazer questões, provocações e reflexões que envolvem esse caminho nas quais estivemos envolvidos em diferentes momentos. 

As inquietações que nos mobilizam e que foram provocadas pelas experiências vivenciadas na EEI nos desafiam a buscar formas de estar com as pessoas que teceram a trama das relações entre infância e universidade e encontrar as brechas para outros modos de nos colocarmos na história da UFRJ. Intuímos se tratar de imaginar formas lúdicas de observar, escutar, colocar, olhar para sentir e afetar-se. Nosso empenho é capturar e compreender as sutilezas do não dito, do silêncio, o que possibilitará outros modos de (co)habitar a mesma história e as potências de criar outros mundos (im)possíveis.

A própria vida nos desafia a pensar para fora da estrutura moderna de sociedade que se organizou pelo polo de uma história linear, pelo individual. Intuímos que, se nos deixarmos orientar por uma estrutura dicotômica, experimentaremos em looping um processo de educação transmissivo e um saber como dado. Por que temer o desconforto do ato reflexivo e o questionamento do que nos parece familiar como estrutura de pensamento, de indivíduo e de sociedade? 

Encontramo-nos nos interstícios de uma história que foi, é e será contada com várias versões. Entendemos como uma característica da universidade imaginar sempre um fazer diferente para além do que foi instituído como verdade linear e absoluta. Uma imaginação que é consequência de um pensamento reflexivo e sensível, que insiste em sacudir as evidências. Desejamos a ficção como possibilidade de uma análise da realidade que nos coloca um ponto de reflexão que seja ético, estético, político e poético e dê a ver "como é invisível o invisível do visível" na própria estrutura. É possível pensar outras formas de produção de subjetividades mais inspiradas na potência da diferença e menos nas recusas que nos foram impostas.

Essa possibilidade também existe nos movimentos dos bebês, das crianças e dos adultos na nossa escola quando escapam às expectativas e criam caminhos e trajetos que deslocam o modo como queremos enquadrar cada um. Os bebês e as crianças nos convidam, por suas maneiras de experimentar e produzir saberes e conhecimentos, a existir em um mundo como devir, onde a escola e a universidade podem assumir-se como um espaço-tempo de imaginar e brincar. Quais são os caminhos de insubmissão e transgressão?  O que esses movimentos nos fazem sentir e pensar? Que tipo de ação eles convocam? Como produzir momentos de suspensão para suspeição da ordem neoliberal que cria as condições para a instauração do fascismo?

Por acreditarmos que existe uma potência que a diferença entre bebês, crianças e adultos produz, inclusive considerando a interseccionalidade entre raça, classe e gênero, decidimos filosofar/ficcionar sobre as possibilidades que surgem nos encontros entre infâncias e universidades para dar a ver que a história da UFRJ é tão rica porque também é atravessada pelas histórias de re-existência das pessoas − servidoras/es e famílias − que fizeram e fazem parte da EEI desde a sua fundação, por iniciativa da Dra. Dalva Coutinho Sayag, em 1981, como a Creche Universitária Pintando a Infância do Programa de Extensão Materno-Infantil do Instituto de Pediatria e Puericultura Martagão Gesteira. Histórias atravessadas por lutas diversas, como as das trabalhadoras das creches, assim como pelo próprio direito de continuar existindo como escola na/da universidade, que levou à sua institucionalização como Órgão Suplementar do Centro de Filosofia e Ciências Humanas em 2013 e à sua inserção como Setor de Educação Infantil ao Colégio de Aplicação desde 2019, unificando a Educação Básica no âmbito acadêmico. Parafraseando o provérbio africano, pensamos que seja preciso uma aldeia-universidade inteira para educar e cuidar de um bebê e de uma criança.

Que tanto a UFRJ quanto a EEI sejam festejadas o ano inteiro, todos os anos, porque são espaços-tempos onde acontece a educação pública, de qualidade e socialmente referenciada! 

Que sejam realizados muitos filmes!

 

Referências 

FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos I. Problematização do sujeito: psicologia, psiquiatria e psicanálise. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.

FRESQUET, Adriana. Cinema e educação: reflexões e práticas com professores e estudantes de educação básica. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

LÓPEZ, Maximiliano Valerio. Filmar a escola: teoria da escola. In: LARROSA, Jorge (Org.). Elogio da escola. Belo Horizonte: Autêntica Editora, p. 225-234. 2017.

 

*Daniele Grazinoli é técnica em Assuntos Educacionais da UFRJ, Priscila Basilio é professora EBTT do Colégio de Aplicação (CAp) da UFRJ - Educação Infantil.

 

¹ Este artigo é parte do Especial UFRJ 100 anos, realizado pelo Setor de Comunicação da Decania do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (Secom/CFCH) da UFRJ. Servidores docentes e técnico-administrativos, discentes e trabalhadores terceirizados refletem sobre esta Universidade no ano em que ela completa um século de existência. Os textos apresentam as visões, experiências e saberes de quem contribui para que a UFRJ mantenha a sua excelência, produza conhecimento plural, diverso e democrático, apesar de todos os desafios impostos. 

 

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